sábado, 13 de junho de 2015

75 km Bertioga - Maresias 2015 - Relato de prova

Aproveitando o clima de "corrida" dos últimos posts, afortunadamente recebemos via "Publique" o relato dos 75 km Bertioga - Maresias, do atleta e amigo Ícaro Castello Branco, que fez a prova SOLO.

Conheci-o quando participou do (70.3) Rústico que o Silvão realizou aqui em Santos.

Coincidentemente, também, essa prova Bertioga - Maresias é uma daquelas que está em meus planos fazer... SOLO também, como ele.

Fica o nosso agradecimento pela valiosa contribuição do amigo Ícaro.
Agora, divirtam-se, curtam, emocionem-se, enfim...

O limite é você quem faz
75 km Maratona de revezamento Bertioga - Maresias 2015 --- SOLO

Por Ícaro Castello Branco

Tudo começou há exatos três anos atrás, quando fiz minha primeira maratona em São Paulo capital, e meses depois a etapa da maratona de revezamento 75 km Bertioga – Maresias daquele ano. Já participava desta prova com a nossa “equipe latinha” um grupo de 6 amigos corredores, por pelo menos sete oportunidades. Porém neste ano, despertou a vontade em me aventurar nesta prova, como solo, e tentar desafiar a montanha, a temida serra de maresias.

Já havia subido a serra em três oportunidades, mas nunca depois de correr 65 km. Por sinal, esta era minha principal dúvida. Seria possível correr a serra inteira sem parar, depois de percorrer 65 km de praia, asfalto, areia dura, areia fofa, trilhas, lama, riachos com água até o joelho?

Ano de 2015, chegou a hora. Perguntei para minha esposa: -“se eu fizer uma loucura você me apoia?” Como a maioria das pessoas respondiam a este questionamento ao longo destes meses de preparação, as palavras dela não poderiam ser diferentes: -você é louco? 75 km correndo? Meu deus do céu, você só pode estar brincando! Mas se é seu sonho, seu objetivo, está apoiado.

Não sou nenhum maluco imaturo para encarar esta prova sem no mínimo três meses de treinos específicos para ela, e foi o que fiz. Treinei todos os dias da semana com apenas um dia de descanso semanal, musculação duas a três vezes por semana, muitos treinos em rampa e esteira inclinada, muitos treinos longos solitários, treinava debaixo de chuva, abdiquei da minha família, dos passeios nos finais de semana; mas valeu a pena, estava preparado. Minha intenção na realidade, era de terminar a prova bem, e se possível, tentar fazer abaixo de 8 horas. Prometi para minha mãe e minha esposa que se não me sentisse bem iria parar e desistir.

Tudo pronto mochila de hidratação, sanduiches, barras de proteína, gel, advil para emergência, sal, isopor com isotônico, água de coco, e cerveja para o brinde final se tudo corresse bem.

Minha esposa Priscila iria me encontra com o carro de apoio estrategicamente nos PC3, PC5 e PC7 suprindo a bike com alimentos e bebidas e levando tênis de troca para o trecho após o rio. Pedrinho, meu apoio de bike, só iria começar a me acompanhar após o PC3 (23 km) de prova.


Largamos pontualmente às 6:00 h da manhã, muito escuro, mas com um início de amanhecer meio rosa alaranjado, uma mistura de nuvens brancas claras com o azul, maravilhoso.


Eu estava ali, como mero coadjuvante da prova, logo imprimi meu ritmo planejado e que iria cumprir durante toda a prova, que era de 5’20”- 5’30” por km. Logo no início uns 25 a 30 corredores sumiram no horizonte, imprimindo um ritmo forte, mesmo porque o primeiro trecho de 10,8 km é uma praia reta (Indaiá) que parece que não acaba nunca.

Chegando ao primeiro PC, a galera começou a aplaudir, muitos gritos de incentivo, vai lá guerreiro, força, show, confesso que achei aquilo tudo muito novo e diferente, me achei importante e fiquei feliz e grato. Mas somente no final da prova entenderia o sentido exato desta manifestação de apoio.

Continuei em frente no meu ritmo e curtindo, aproveitando muito a prova, o trajeto é lindo a natureza é explicita, o ar é puro, e deus é presente em cada centímetro do percurso, impressionante.

Passei pela Riviera de São Lourenço, PC2 e pelo trecho de mata em que tem um riacho com a água até o joelho, que para minha surpresa estava seco desta vez, mas de qualquer forma o tênis estava encharcado, pois havia vários córregos que deságuam na praia, pelo caminho. Chegando ao PC3 encontrei minha amada esposa, e meu fiel escudeiro Pedrinho pronto com sua bike, troquei o tênis molhado, reabasteci a mochila de hidratação com água, comi um sanduiche já correndo e fomos embora.


Passamos pelo condomínio de Guaratuba e agora entraríamos em um trecho que marca a metade da prova, é um trecho que testa o seu lado psicológico, são 14 km intermináveis, que sai de Guaratuba até a Juréia é muito longo e deprimente. Deu tudo certo.


Agora é que começam as subidas, curvas, areia fofa , foram mais 9,7 km até o PC6 em Juquey, encontrei minha esposa comi umas batatas cozidas, mas perdi meu apoio de bike pois na areia fofa acabou ficando para trás e iria me alcançar somente no trecho seguinte rumo a Cambury.


Uma subida muito íngreme se apresenta no inicio deste trecho e em seguida uma descida do mesmo porte, para depois começar uma reta de asfalto interminável. Eis que surge Pedrinho, e me informa que todos comentaram que eu estava entre os 10 primeiro colocados na prova de solo, juro que fiquei surpreendido e disse que ele estava equivocado, pois mesmo passando por vários concorrentes com problemas físicos, seria impossível tal colocação, mas prossegui com minha intenção na prova que era só completar bem. Agora só faltavam pouco mais de 18 km para finalizar a prova, e eu estava me sentindo bem e conseguindo manter o ritmo determinado desde o inicio da prova, já estava satisfeito, e no lucro.

Continuava passando pelos PCs e  o pessoal aplaudia, gritava e incentivava,  todos os corredores do revezamento que passavam por mim desejavam força e boa prova, era o que ia me empurrando e impulsionando na prova.


Cheguei ao PC7 em Cambury, quando minha esposa me viu não acreditou, pois em vez de eu ficar mais lento e cansado,  eu estava passando mais rápido e inteiro, e agora só faltavam mais 10,9 km para o final da prova e chegada a Maresias. Achei prudente o Pedrinho a partir de agora colocar a Bike no carro e seguir para a chegada em Maresias, pois sabia das dificuldades da serra e ele pouco poderia fazer por mim lá em cima. Que nem falei no começo deste relato da temida serra de Maresias, respeite a serra, pois ela não poupa ninguém, é cruel e implacável. Dizem: “Lá nas suas subidas e curvas, é onde a criança chora e a mãe não vê”.

Estava bem física e emocionalmente, e diferente da maioria dos corredores eu adoro subidas e me divirto nelas, e treinei muito para este momento. No começo tem um ponto de água oficial da prova e o staff muito simpático ao me entregar água disse: -você está bem, tem um corredor à sua frente que está com a língua de fora, e  se você se manter assim pega ele fácil, além do que você é o quinto ou sexto colocado da prova solo”. O que? Eu praticamente parei de correr e voltei ao seu encontro. –“Como assim sou o quinto ou sexto da prova”. Ele disse: -“sim no máximo sexto”. Agradeci, tomei um gole de água e mentalmente refiz a pergunta que me incomodava fazia três meses: “será possível subir a serra inteira correndo sem parar, depois de correr 65 km”. Sim era possível.

Logo no início passei o corredor, dito estar com a língua de fora, lhe desejei um bom dia e boa prova, continuei subindo sem parar, assim como um senhor havia me ensinado a subir esta temida serra há exatos quatro anos atrás, na primeira vez em que a desafiei: -“suba sem olhar para cima, senão você desiste, outra coisa, não levante muito os pés, se incline um pouco para frente e use os braços de alavanca, como se estivesse esquiando”. 

Jamais esquecerei este senhor e suas experiências nas subidas. E lá fui eu, na metade da subida da serra passei mais um corredor e fiquei em êxtase, pois agora eu poderia ser o quarto colocado, eu que nunca imaginara em uma prova dura e longa como esta, nem chegar entre os 30 primeiros colocados, quanto mais entre os cinco primeiros. Continuei subindo com garra e os olhos lacrimejando e não acreditando que isso seria possível. 

Pensei, o Pedrinho estava certo, filho da mãe, tinha razão, viajava nos pensamentos, quando de repente um Jeta branco para ao meu lado buzinando com um pessoal com o corpo para fora da janela, começam a gritar, bater no carro, uma mistura de incentivo, berros, e de não acreditarem que eu já estava no topo da serra,  eram Gustavo, Alexandre, Beto e Marco Aurélio, meus amigos da “equipe latinha”.



Neste momento confesso que algumas lágrimas escorreram pelo meu rosto se misturando ao suor intenso.


Venci a subida, mas agora o pior estava por vir, o que mais temo em uma subida é o que vem depois dela, a descida. Respirei fundo e fui, desenfreado, deixando para trás toda técnica que aprendi e prudência que devemos ter nesta hora delicada, em que qualquer erro pode ser fatal e colocar toda a prova em risco. Fazer o que, continuei  acelerando mais, os passos cada vez mais largos. 

Eis que neste momento ocorrem mais duas surpresas na minha frente, primeiro um corredor desce andando e o deixo para trás rapidamente, e ao final das últimas curvas, mais um corredor que mal andava, se arrastava, ele ainda me desejou parabéns e boa sorte. O legal nesta corrida é a união e incentivo de todos os corredores um para com o outro, é o que faz o sucesso da prova. Corri mais ainda, e agora sim, tinha a certeza que um pódio era possível. Quando finalizei a serra, e virei para entrar no último km da prova na areia fofa, uma última staff me parabenizou e disse: -”você é o terceiro colocado do solo”, daí não consegui controlar a emoção comecei a querer chorar, meu coração começou a bater forte, já não sentia mais nada, de repente a emoção foi interrompida,  comecei a correr na areia fofa de Maresias, e por ter descido muito rápido a serra, minhas pernas mau me obedeciam, senti vontade de parar de correr pela primeira vez na prova, pensei...não agora não, diminui o ritmo, e fui vendo o pórtico de chegada lá longe.

Quando me aproximei visualmente da chegada, ninguém na areia sabia quem estava em terceiro lugar, foi quando o locutor da prova anunciou: -“e atenção está chegando o terceiro lugar categoria solo”,quando todos se viraram para o horizonte, eu estou chegando, foi uma explosão de alegria, os amigos gritavam euforicamente, uma mistura de palavrões, xingamentos, berros e sei lá mais o que, minha esposa foi ao meu encontro meio sem acreditar, pulava freneticamente, eu olhei para o céu, levantei os braços, apontei os dedos e agradeci à todos lá de cima, bati a mão na mão da minha esposa, e, em um por um dos meus amigos que ali estavam, fiz o sinal da cruz, e passei pela linha de chegada -”aquele abraço atleta número 28, parabéns, bela prova” disse o locutor já ao meu lado, gente, o número 28 era o meu número, o número do dia do aniversário da minha esposa e do meu avô falecido. Agora sim caia a ficha do que eu havia alcançado, agora sim eu entendera todos os aplausos no PC1, em que todos diziam força guerreiro, garra, vamos lá, você consegue.

Agora sei o verdadeiro significado da palavra “SURVIVORS”, agora entendo que para ser um ultramaratonista não basta apenas querer, tem que treina, se dedicar, ser humilde, respeitar a prova e sua temida serra de Maresias, e respeitar também, e principalmente os seus oponentes e amigos corredores.

Agora assim, acabara de ter a maior lição de vida que um ser humano pode ter através do amor ao esporte, respeitar e ser respeitado, querer e poder, ir  até, mas não ultrapassar o seu limite. Hoje posso dizer: “sou um SURVIVORS“.





>>> Por Icaro Júnior – 30/05/2015 - 75 km Bertioga – Maresias – SOLO -2015. 


Desejando que tenham apreciado...
3AV
Marco Cyrino

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