quarta-feira, 6 de junho de 2012

Texto excelente

Através do Facebook, tive acesso ao perfil de um atleta chamado Otavio Calvet.

Não o conhecia e não o conheço, mas, pelo texto escrito por ele, deve ser uma pessoa muito bacana.

Tomei a liberdade de pedir para publicar em meu blog, com o que ele concordou.

Aqui vai, conforme foi publicado originalmente:

Ser Ironman é um estado de espírito. Nada tem a ver com tempo ou performance, nem com competição ou ultrapassagem, muito menos com cronômetros ou resultados. Ser Ironman é ter gosto pela vida. É enfrentar cada etapa da prova como uma metáfora dos ciclos que enfrentamos ao longo da existência.
A natação como a infância. Do rompimento do cordão umbilical da largada, quando imbuídos da vontade de viver deixamos a segurança das areias da praia para nos jogarmos num mar de dúvidas, mas felizes por estarmos começando nossa jornada, aproveitando o lúdico das águas com a sensação de estarmos todos num mesmo movimento. Onde rapidamente aprendemos que mesmo sem querer seus companheiros podem te machucar e ali você começa a endurecer, a buscar o seu lugar, não como antagônico dos demais, mas para criar sua própria narrativa. E tal como a infância essa etapa parece longa enquanto por ela passamos, curta quando dela relembramos, mas vital para a construção de todo o futuro.
O pedal soa como a juventude, começando pela adolescência da primeira volta onde há o entusiasmo pela velocidade, o gosto pelo rápido e passageiro, a vontade de estar num grupo mas dele se destacar, desenfreadamente indo para algum lugar que não se sabe bem qual, gastando-se uma energia para algo muitas vezes em vão, mas que parece importante para o restante da jornada. Nesse afã muitos se perdem, ignoram as regras de segurança, são penalizados pela tentativa de atalhos torpes, esquecem de coisas básicas como apenas dar alimento para o corpo a fim de permitir a longevidade da jornada.
E eis que essa forma de viver é substituída na segunda volta onde começa a fase adulta, quando abandonamos falsas expectativas, percebemos que a estrada deve ser percorrida sozinha, que as pessoas muitas vezes embora próximas precisam cada uma construir suas próprias histórias, que é errado seguir na roda de outrem como que a roubar a própria oportunidade de se transformar num verdadeiro caminhante, quando enfim refazemos nossos planos e olhamos para a frente para planejar da melhor forma possível a corrida da maturidade que se avizinha e que nos resta como última esperança de realizar uma bela jornada...
O imaginável então acontece! E justo na maratona da fase madura do viver! O prazer de simplesmente estar ali, naquele momento, sozinho, passando pelos altos e baixos do trajeto para relembrar que nada pode ser simples e que quanto maiores as dificuldades maior a sensação de conquista, sentindo as dores de toda a jornada. Dores que fazem abandonar qualquer orgulho ou vaidade, dores que fazem perceber que nada se compara aos simples aceitar dos seus limites, limites que foram criados pela coerência da conduta da forma de viver e treinar prévios, dores que atestam que tudo que se passou é verdade e que você ali se encontra, num mundo em que nada se consegue por acaso, em que sorte é apenas poder ser exatamente aquilo a que você se propõe, na intensidade que você construiu durante os períodos de preparação, assumindo a responsabilidade pelo resultado possível dentro da sua realidade.
Depois da primeira grande volta, metade da fase concluída, vem o perigo da estagnação, a sensação de que as dores da corrida significam apenas dar voltas sobre si mesmo, que não há sentido em continuar pois é bem mais fácil simplesmente abandonar e fingir que a frustração não incomodará, é quando começa a reflexão profunda do real significado de toda a prova da vida. Há os que desistem, os que sucumbem contra a vontade, os que se machucam, os fracos de espírito que buscam desculpas para encobrir o fracasso, os determinados que simplesmente planejaram ou executaram mal suas estratégias, e há os que conseguem renovar as forças olhando não para os lados, não para os outros, mas para dentro de si mesmos a buscar a essência que permite continuar, com a humildade de aceitar as novas condicionantes dos músculos pesados e retesados, cansados de terem que ultrapassar tantos desafios, negociando no tênue limite do aceitável e propondo que o ciclo final seja da forma como se pretende, sem ilusões ou utopias, mas com a felicidade do poder se reinventar já nessa fase avançada da jornada, certos de que a liberdade vem aos que para ela trabalham, liberdade essa que uma vez conquistada não mais tem volta.
Quando, de repente, tudo converge para a visão do grande final que acontece para todos que não desistem ou que não sofreram revezes alheios as suas vontades: atravessar o pórtico da linha de chegada como que um portal para outro mundo, rompendo o segundo cordão que faz retornar ao nível de existência original, onde toda a jornada faz sentido como simples aprendizado para a alma, numa explosão de felicidade, emoção, choro, enfim, tudo que jorra daquele lugar íntimo e secreto, que só você conhece e sabe que existe, que não pretende aparecer nem precisa de reconhecimento alheio, mas que faz você entender todo o significado de fechar um grande ciclo para poder começar o próximo...sim...o próximo...pois ser Ironman não é ganhar provas e exibir medalhas, não é buscar uma prova para justificar um vazio, não é ser mais dos que os outros, não é nem ser diferente dos demais.
Ser Ironman é saber viver, ser Ironman é um modo de viver e, antes de tudo, um estado de espírito!

Otavio Calvet

Bela análise, ótimas analogias.

Marco Cyrino

2 comentários:

  1. Sensacional o texto. Marcão, passe os parabéns para o Otávio. Excelente analogia entre o Iron e a vida. Senti novamente as sensações da prova.

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  2. show, sem pslavras, o cara disse tudo.

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